TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA NOS ESTUDOS DA LINGUAGEM INFANTIL

16/09/2019

Michele de Cássia Sabino Moreira (UNIVASF)
Roberto Remígio Florêncio (UFBA/IF Sertão-PE)
 Texto presente no livro: Diálogos Interdisciplinares: saúde e educação (MELO, A.S.A.S.; FLORÊNCIO, R.R. org.) ISBN: 978-85-54891-93-0- Petrolina: Editora Oxente, 2019.

RESUMO

Revisão bibliográfica com o objetivo de investigar as contribuições da teoria sócio-histórica para o desenvolvimento da linguagem na criança. Com abordagem qualitativa, por meio da pesquisa bibliográfica, o trabalho de pesquisa procurou se basear nas teorias vygotskianas e em estudos desenvolvidos a partir delas. Foi possível identificar que o desenvolvimento da linguagem na criança sofre influências do ambiente em que está inserida. Vygotsky afirma que, mediada pela interação com outros indivíduos em determinado ambiente histórico-sócio-cultural, a criança se torna capaz de desenvolver-se em sua capacidade linguística, em qualidade e quantidade, impulsionando posteriormente os avanços em seu desenvolvimento de pensamento, consequentemente em sua percepção, atenção e memória.

Palavras-chave: Desenvolvimento Linguístico. Vygotsky. Ambiente Sociocultural.

INTRODUÇÃO

O estudo do desenvolvimento da linguagem na primeira infância, aliada às influências que o ambiente social exerce sobre ela, é de fundamental importância para profissionais da educação e para aqueles que tenham interesse em mergulhar neste mundo de descobertas e aprendizado da infância, sejam pais ou outros que se identifiquem com esses estudos ou nichos de mercado e pesquisa científica. Para que essa discussão fluísse, colocou-se como indagação os seguintes questionamentos: Sob a perspectiva sócio-histórica de Vygotsky, como se dá a influência dos ambientes no desenvolvimento da linguagem nos primeiros anos da criança? Por acreditar que a questão possa nos ajudar a entender como é construído esse desenvolvimento da fala na criança, quais etapas ela vivencia para esse alcance e quais seriam os elementos que potencializam esse desenvolvimento?


Podemos resumir os estágios de desenvolvimento da fala infantil em quatro estágios, segundo Vygotsky (1993):

1) estágio natural ou primitivo: que se refere à fala pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal;

2) estágio da psicologia ingênua: aqui ocorre "a experiência que a criança tem das propriedades físicas do seu próprio corpo e dos objetos que a cercam e aplicação desta experiência ao uso dos instrumentos", considerada o primeiro "exercício da inteligência prática infantil" (VYGOTSKY, 1993, p.50), além de ter o desenvolvimento linguístico bem desenvolvido. Nesta etapa também, acontece à utilização correta das formas e estruturas gramaticais, e, além disso, pode falar com proposições subordinadas, como exemplo: como, porque, se, quando e mas, mesmo antes de obter o domínio das relações causais, condicionais ou temporais. Ocorre um domínio da linguagem antes de dominar a sintaxe do pensamento (VYGOTSKY, 1993).

3) estágio da fala egocêntrica: nesta fase ela usa "sinais externos por operações externas que são utilizadas como auxiliares para a solução dos problemas internos" (VYGOTSKY, 1993, p.50). E no desenvolvimento da fala recorre ao discurso egocêntrico (VYGOTSKY, 1993).

4) estágio do crescimento interior: neste estágio, "as operações externas interiorizam-se e sofrem uma profunda transformação durante esse processo". (VYGOTSKY, 1993, p.50). No desenvolvimento da fala é o último estágio do discurso interior, silencioso, ou seja, o discurso interior se iguala ao discurso externo, que será transmitido através da fala (VYGOTSKY, 1993).

Os estudos desses estágios permitiram concluir que, na medida em que as crianças se desenvolvem, dirigindo sua fala para comunicações específicas com os outros como, por exemplo, pedir comida ou brinquedo, elas começam a dirigir a fala para si mesmas, levando à internalização de palavras e à constituição da fala interior. Esta, por sua vez, envolve "pensamentos verbais norteadores do comportamento e da cognição, processo fundamental no desenvolvimento e funcionamento psicológico humano, na construção do conhecimento" (VYGOTSKY, 1998 citado por MIRANDA, 2012, p. 04).

Assim, um salto no desenvolvimento da criança ocorre com aquisição da linguagem, pela qualidade das funções superiores que ela proporciona, quando ela começa a servir de instrumento psicológico para a regulação do comportamento, a percepção muda de forma radical, novas memórias são formadas e novos processos de pensamento são criados. Após essa discussão, pode-se concluir que o desenvolvimento da fala da criança depende da quantidade e qualidade da interação ambiente que está inserida, que as mediações que ela possa estar submetida terá influência direta no seu desenvolvimento linguístico, visto pela essa perspectiva do estudo sócio-histórico.

A realização deste estudo permitiu constatar que toda base da teoria sócio-histórica discutida por Vygotsky está baseada na dimensão constituída pelas relações sociais em que o sujeito se insere, estabelecendo que toda construção de desenvolvimento do ser humano é social. Portanto os ambientes sociais influenciam o desenvolvimento infantil, sobretudo no desenvolvimento da linguagem, que sofre as influências do meio social/histórico da qual está criança está inserida. Esse tema tem diferentes discussões dentro do arcabouço teórico, sobretudo de sua importância para entender diferentes desdobramentos da aprendizagem, mediada pela linguagem, e pelos sujeitos ou agentes que o fazem nessa interação ao longo do percurso do desenvolvimento infantil, pela inserção da criança na escola e dos outros espaços de construção, que amplia e possibilita sua função comunicativa, consequentemente o seu maior desenvolvimento. E as políticas públicas educacionais brasileiras, estão atentas à questão dessas influências vividas pelas crianças nas instituições de desenvolvimento infantil, criando documentos que orientam a criação das propostas curriculares escolares, como no caso do documento mais atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC), objetivando tornar comum diferentes conhecimentos para assegurar a formação básica das crianças, isso é um avanço no nosso processo educacional. De certo modo, esses documentos são um importante instrumento para garantia de direitos de aprendizagens iguais, independente se o ensino é público ou particular e de qual local ele esteja no país. Mas há de se considerar que essas políticas devem se efetuar concomitantes, com previsão de outras igualdades de condição para que elas ocorram de fato, pois contextos e realidades influenciam esse processo do desenvolvimento da criança.

Conseguir relacionar a teoria de Vygotsky com o desenvolvimento infantil e com os processos educacionais é de grande relevância para (re)conhecimento das práticas educativas, principalmente por identificar sua teoria materializada em políticas públicas reais, como no caso da BNCC, muito significativa para a construção do conhecimento para além de vias teóricas, mas colocadas em prática no curso do desenvolvimento infantil. Pudemos constatar que existe uma diferença da teoria sócio-histórica de Vygotsky para outras teorias que fazem a discussão do desenvolvimento da linguagem infantil, que acreditam que o desenvolvimento da fala acontece por ser um sistema inato hereditário, no caso, a teoria inatista. Há também a teoria que acredita que o desenvolvimento ocorre através do estímulo-resposta, chamada teoria empirista, e ainda a teoria cognitivista de Piaget, que acredita que fatores biológicos e desenvolvimento de estágios são fatores condicionantes para o desenvolvimento da linguagem. Na teoria de Vygotsky, é a relação social-cultural-histórica da criança que vai prover e promover o desenvolvimento e a aprendizagem da fala, fazendo com que esta seja produtora de seu próprio conhecimento. Por fim, estudar o desenvolvimento da linguagem infantil faz-se necessário, especialmente, para prover constantes reflexões sobre a influência que as famílias têm na participação desse processo de interação com a criança. E, como educadores ou pesquisadores da área, a importância de saber como ocorre o desenvolvimento e perceber, no curso de sua atuação prática com seus alunos, o que a criança de fato já traz e que o é necessário no meio educacional potencializar para estabelecer a relação com esse meio social que é o caminho para o desenvolvimento linguístico.

Como se esperava, nem todas as respostas são encontradas ou possíveis, especialmente, ao se tratar do desenvolvimento infantil. No entanto, os objetivos são alcançados ao se perceber que a pesquisa traz reflexões sobre o desenvolvimento da linguagem e as influências e interações que o aprendente recebe/oferece no percurso do desenvolvimento da fala, com a certeza de que a importância das teorias de Vygotsky são, até os dias de hoje, influenciadores dos estudos sobre a aquisição da linguagem.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. BNCC- Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: <basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf> Acesso em: 22/04/2019.

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VYGOTSKY, L, S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

VYGOTSKY, L, S. A Construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

[1] A edição que apresenta a tradução do texto Integral do russo para o português, publicada pela Editora Martins Fontes no ano 2001.

[2] Lev Semyonovich Vygosty, psicólogo nascido na Rússia (União Soviética, na época) em 1896, é um dos mais importantes teóricos mundiais sobre o processo de aprendizagem, aquisição da linguagem e diversas teorias ligada à educação. Vygotsky, cujo sobrenome é transliterado também como Vigotski e Vigotsky, teve sua obra reconhecida apenas após sua morte prematura em 1934, vitimado pela tuberculose. Fundador da escola soviética de psicologia histórico-cultural e considerado em todo o mundo o pai da pedagogia moderna, teve sua principal obra ("Pensamento e Linguagem") lançada apenas na década de 1950. 

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